Avatar: A Lenda de Aang — A Promessa: Como Adaptar Uma Boa Série em Uma Boa HQ
Hoje em dia, filmes e programas de TV baseados em quadrinhos têm sido uma constante em Hollywood. Os filmes em específico se tornaram a maior fonte de dinheiro da indústria hollywoodiana.
Mas, por mais incrível que pareça, houve uma época em que o contrário era mais comum: filmes e séries de TV ganhando adaptações em quadrinhos. 2001: Uma Odisseia no Espaço ganhou uma HQ por ninguém mais ninguém menos que JACK KIRBY; Buffy, A Caça-Vampiros teve uma continuação canônica da série que durou por anos; isso sem contar os vários quadrinhos de Star Wars e Doctor Who que existem até hoje.
Só que talvez a fonte mais comum para adaptações em quadrinhos eram os desenhos animados. Afinal, se uma criança era fã do Bob Esponja ou de Animaniacs, ela provavelmente iria querer ler um gibi desses personagens também. Esse prática tornou-se um pouco mais rara hoje em dia, mas não desapareceu e um exemplo recente de sucesso foram as graphic novels de Avatar — A Lenda de Aang.
O universo expandido de Avatar
Avatar: A Lenda de Aang estreou na Nickelodeon em 2005 e não demorou muito para se tornar um sucesso do canal. Após três temporadas, a série chegou ao fim, mas a sua popularidade não.
Talvez surpreendendo a própria Nickelodeon, o fandom de Avatar nunca perdeu fôlego. Logo, muitos projetos relacionados à franquia foram surgindo, os principais sendo um filme em live action (que deu MUITO errado) e o spin-off A Lenda de Korra (que deu MUITO certo).
A Lenda de Aang não teve uma HQ oficial enquanto estava no ar. Houve apenas algumas publicações isoladas, que mais tarde foram compiladas no encadernado As Aventuras Perdidas (também publicado no Brasil recentemente).
A Promessa
Foi apenas após o sucesso de A Lenda de Korra que a franquia adentrou o mundo dos quadrinhos de fato. Foi a partir daí que a editora Dark Horse começou a lançar trilogias de graphic novels que serviam como sequência direta de Avatar: A Lenda de Aang.
A Promessa é a primeira dessas graphic novels e foi publicada originalmente em 2012 (chegou ao Brasil apenas em 2021 pela Intrínseca). Escrita por Gene Luen Yang e desenhada por Gurihiru, ela foca nos desafios que Aang e Zuko enfrentam após o fim da guerra.
Temendo a possibilidade de se tornar um governante tirano, Zuko faz com que Aang prometa que irá matá-lo caso isso aconteça. Juntos com o Rei da Terra Kuei, eles logo dão início ao Movimento de Restauração da Harmonia, que consiste em desmontar as colônias da Nação do Fogo existentes no território do Reino da Terra.
Mas as coisas não são tão simples quanto parecem. Para executar o Movimento de Restauração da Harmonia, é necessário deportar os cidadãos da Nação do Fogo de volta para o seu país. Entretanto, as colônias mais velhas possuem centenas de anos e agora possuem uma cultura miscigenada, que não é mais puramente a Nação do Fogo nem o Reino da Terra. Esse é o caso de Yu Dao, em que uma grande parte dos habitantes se opõe à deportação.
Avatar: A Lenda de Aang é um dos meus desenhos favoritos. Eu sou fascinado pelo universo da série e tem um apreço pelos seus personagens. Ainda assim, não tinha muita expectativa para ler esta graphic novel, mas eis que ela foi uma grata surpresa.
Histórias em quadrinhos costumam ter um ritmo mais rápido do que as mídias audiovisuais. São geralmente poucas páginas para uma história que precisa se encerrar em umas cinco ou seis edições, sem muito espaço para sub-tramas. Então qual foi a minha surpresa ao ler A Promessa e me deparar com uma história que realmente parecia um episódio da série animada.
Eu já li gibis baseados nas séries animadas da DC e era uma experiência muito diferente da TV. Aqui não. Ler A Promessa é como assistir a uma nova temporada de A Lenda de Aang. Gene Luen Yang e Gurihiru conseguiram capturar perfeitamente o espírito da série e levá-lo para a HQ e isso não é tarefa fácil, ainda mais considerando que eles não tinham qualquer envolvimento na produção do desenho animado.
O universo criado por Avatar é ideal para ser expandido em novos projetos, porque é um mundo que sempre dá espaço para novas perguntas. A Promessa usa justamente perguntas deixadas pelos últimos episódios de A Lenda de Aang: no final da série, a guerra chega ao fim, com o Avatar Aang e o novo Senhor do Fogo Zuko comprometidos a restaurar a paz e a trama da graphic novel lida justamente com a dificuldade em restaurar essa paz.
Os problemas políticos desse mundo existem há mais de cem anos e não somem quando o Senhor do Fogo é derrotado. Os problemas começam quando Zuko é confrontado por Kori, uma habitante de Yu Dao filha de uma cidadã da Terra e um colono do Fogo, que lidera um movimento que se recusa a sair do lugar que conhecem como sua casa.
A partir daí, o novo Senhor do Fogo mergulha em um mar de dilemas: ele deveria manter seu compromisso com o Movimento de Restauração da Harmonia ou sua lealdade aos interesses do seu povo? Ele escolhe a segunda opção e é aí que Aang entra em seu próprio dilema de cumprir a promessa de matar Zuko ou não.
Como A Promessa foi publicada anos depois do fim da série, ela pode abordar os temas políticos da série de forma mais profunda e madura, já que os fãs do desenho de 2005 agora estão mais velhos. São diversas perspectivas diferentes sobre o que deve ser feito no mundo pós-guerra, sem definições binárias do que é o “certo” e o “errado”. Isso propõe ao leitor uma abordagem mais crítica do mundo apresentado pela série animada.
Paralelo a isso, existe uma trama da Toph e do Sokka com os primeiros alunos da Escola de Dobra de Metal da Toph, o que promove momentos engraçados e suaviza a seriedade da trama principal (além de deixar a HQ com um ritmo mais próximo de um programa de TV). Além disso, ainda temos vários prenúncios de coisas vistas em A Lenda de Korra, como a Cidade República e os Acólitos do Ar.
A Promessa foi uma das melhores surpresas que tive ao ler quadrinhos este ano e se você é fã da franquia, considere esta graphic novel uma leitura obrigatória.