Lendas do Universo DC: Liga da Justiça vol. 1 a 5 — a Liguinha de Keith Giffen e J.M. DeMatteis
Terminou há pouco tempo a publicação no Brasil da coleção “Lendas do Universo DC: Liga da Justiça”, que cobriu toda a fase de Keith Giffen e J.M. DeMatteis à frente da equipe dos maiores super-heróis do mundo… ou quase isso.
Eu ainda estou bem atrasado na coleção, mas já quero falar sobre o que eu li. Mas aqui vai uma curiosidade sobre mim: apesar de ser a primeira vez que leio esta fase, ela está relacionada ao meu primeiro contato com a Liga da Justiça. Ok, eu vou explicar.
Era uma vez uma tarde assistindo ao SBT…
O meu primeiro contato com a Liga da Justiça não foi pelos quadrinhos e nem mesmo pelo desenho animado. Foi através de um filme que era exibido com certa frequência no Cinema em Casa (a “Sessão da Tarde” do SBT na época).
Liga da Justiça da América era o nome do tal telefilme que, na verdade, tratava-se de um piloto para uma série de TV que nunca veio a acontecer. A equipe era formada por Flash, Lanterna Verde, Átomo e duas heroínas que eu ainda não conhecia: Fogo e Gelo.
O filme era uma bizarrice com formato de falso documentário misturado com sitcom e uns poucos momentos de ação. Mas por pior que o filme fosse, essa foi a minha primeira ideia do que era “Liga da Justiça” até estrear a famosa série animada de Bruce Timm, também no SBT.
Mas o desenho animado apresentava uma versão muito diferente da Liga, centrada na trindade da DC: Superman, Batman e Mulher-Maravilha. O que eu não sabia na época é que a Liga da Justiça do Cinema Em Casa era inspirada, em grande parte, na fase Liga da Justiça Internacional, escrita por Keith Giffen e J.M. DeMatteis.
Nessa época, a DC impediu Giffen e DeMatteis de usarem os heróis mais populares na Liga. Batman era o único dos medalhões que poderia ser usado, mas depois de um tempo, nem ele. Isso forçou os autores a focarem em heróis pouco famosos como o Besouro Azul, o Gladiador Dourado e o Lanterna Verde Guy Gardner.
O lado bom disso tudo é que essa limitação deu uma maior liberdade aos autores nas histórias que queriam contar. Afinal, a maioria dos membros da equipe sequer tinha uma revista solo, então eles poderiam fazer o que quisessem com os personagens sem se preocupar em contradizer o que acontecia nas outras revistas da editora.
Pois bem, com o passar do tempo, eu descobri tudo isso sobre a Liga da Justiça Internacional e via o quanto os decenautas rasgavam elogios para essa fase. Mas eu nunca tive a chance de ler desde o início essa fase que, indiretamente, moldou minha primeira percepção do que era a Liga da Justiça.
Até que, este ano, eu comecei a colecionar o Lendas do Universo DC que compila toda a fase de Giffen/DeMatteis. Eu ainda estou no quinto volume (são VINTE E UM ao todo), mas já tenho bastante o que dizer sobre o que li.
A Liga BWAH-HA-HA
O primeiro volume funciona como uma espécie de prólogo. O título já apresenta momentos de humor, mas ainda é uma típica HQ de super-heróis de meados dos anos 80. O confronto com o Homem Cinza, por exemplo, tem um forte tom dramático.
O mais importante desse volume é acompanhar Maxwell Lord — que foi criado para esta HQ e se tornaria uma figura central desta fase — manipulando secretamente os acontecimentos da equipe até conseguir que ela seja sancionada pela ONU como uma “força tarefa pacificadora internacional”.
É a partir daí, no segundo volume, que a Liga da Justiça ganha o “Internacional” no nome e o texto assume de vez sua veia cômica. Uma das primeiras histórias é simplesmente os heróis fazendo a mudança para o novo QG e lidando com um problema caseiro atrás do outro. Sem lutas, sem vilões, só um episódio de sitcom em forma de quadrinhos. Dá até pra ouvir a laugh track enquanto lê. Não é à toa que um dos apelidos dessa liga é Bwah-Ha-Ha (imitando uma risada do Besouro Azul nesta mesma história).
As aventuras seguintes a essa no segundo volume são mais irregulares. Fica nítido que Giffen e DeMatteis tinham a intenção de tornar o título mais cômico e eles sobrecarregam essas primeiras histórias com momentos de humor. Além disso, os personagens parecem muito intercambiáveis: uma piada dita pelo Besouro Azul poderia ter sido dita pelo Senhor Milagre, uma piada dita pelo Gladiador Dourado poderia ter sido dita pelo Guy Gardner, etc.
A revista encontra o seu ponto de equilíbrio a partir do terceiro volume, mais especificamente o arco em que eles enfrentam o Lorde Mangá Khan, uma sátira dos vilões cósmicos megalomaníacos propensos a longos solilóquios. Daí em diante, os autores brincam com os clichês das HQs de super-heróis, apontando o absurdo de tudo aquilo, mas sem nunca se envergonhar disso.
É no terceiro volume também que a revista adiciona Flama Verde e Dama de Gelo ao time, que mais tarde mudariam de nome para Fogo e Gelo. Como as duas já surgem com personalidades bem-definidas, a presença delas acaba forçando os autores a definirem melhor a personalidade dos demais também, melhorando a dinâmica do elenco inteiro.
As coisas ficam ainda melhores no volumes 4 e 5. A dinâmica entre os personagens está devidamente estabelecida, o ritmo cômico é aprimorado sem deixar a ação de lado e, além disso, existem várias e várias participações de super-heróis que raramente são vistos nos quadrinhos de hoje.
E é isso o que mais me empolga na Liga de Giffen/DeMatteis: lembrar o quanto o Universo DC era mais cheio e vivo há algumas décadas. Depois dos Novos 52, a DC sumiu com a maior parte do seus heróis secundários para focar somente nos nomes mais famosos e isso enfraqueceu o seu universo como um todo.
O mais irônico é que a Liga da Justiça Internacional também veio no encalço de um reboot (o primeiro e maior de todos, Crise Nas Infinitas Terras), mas nesse caso o legado manteve-se intacto, existe uma sensação de que muita história veio antes. E a DC ainda está tentando resgatar essa sensação… sem sucesso, já que a prioridade é publicar o máximo de títulos do Batman possível.
Apesar de fantástica, a Liguinha ainda possui um ponto fraco. As mudanças na formação da equipe são CONSTANTES. Em quase todo volume existe a adição ou saída de algum integrante e chega um momento em que o leitor esquece que o Capitão Átomo está no elenco ou se o Batman ainda faz parte do time ou virou só uma participação especial.
Acredito que isso vá mudar nos volumes seguintes. No meio do quinto volume, existe a criação da Liga da Justiça Europa, o que basicamente dividirá o elenco da Liga da Justiça Internacional em “Liga da Justiça América” e “Liga da Justiça Europa”. Sim, “Liga da Justiça América”… com Guy Gardner, Fogo e Gelo. Para mim, isso é como se um ciclo se fechasse.
Keith Giffen e J.M. DeMatteis não criaram a Liga da Justiça definitiva, mas criaram a Liga da Justiça que era necessária naquele momento. Um momento em que os gibis de super-heróis estavam ficando cada vez mais sérios e precisavam desse ar fresco. E, veja só, esse ar fresco envelheceu muito bem.