Kubanacan: a última grande ousadia das novelas

Wilson C.
18 min readNov 29, 2024

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E a minha maratona de novelas do Carlos Lombardi enfim chegou à minha favorita: Kubanacan.

Não tenho palavras suficientes pra descrever o impacto que Kubanacan teve em mim quando criança. Eu já tinha assistido muitas novelas antes, não era um gênero novo para mim. Mas foi a primeira vez que eu me viciei numa novela, de não perder um capítulo sequer, de gravar pra assistir depois.

Algo em Kubanacan era diferente de tudo o que eu havia assistido antes. E apenas agora, reassistindo pelo Globoplay, eu pude enfim entender o que havia de único nessa novela.

A história

Ok, pra quem não conhece, eu vou tentar resumir a história de Kubanacan o máximo possível…

Kubanacan se passa no país fictício de mesmo nome e conta a história de Esteban, um homem misterioso que cai pelado do céu em uma praia sem qualquer memória do passado e é resgatado por Marisol junto com o namorado dela, Enrico.

Marisol se apaixona e se casa com Esteban, mas sonha em sair da vila de pescadores em que vive e ir para La Bendita, a capital do país e é então ela se envolve com o general Carlos Camacho, o ditador de Kubanacan. Camacho promete que irá transformá-la em uma cantora famosa e a leva para a capital para ser sua amante.

Acreditando que Marisol morreu, Esteban vai até a capital se vingar do homem que prometeu uma vida de sonhos à sua esposa. É então que ele conhece Lola e Rubi, respectivamente, esposa e cunhada de Enrico.

Em meio às várias descobertas sobre seu passado, Esteban se apaixona por Lola e ganha popularidade no país ao confrontar o presidente Camacho. E são esses os dois fios condutores de Kubanacan: o amor proibido entre a dona de casa e o homem sem passado, e o jogo político cujo prêmio é o poder sobre aquele país caribenho.

Quando Kubanacan foi anunciada para entrar no Globoplay, o trailer de divulgação fazia uma brincadeira comparando o Pescador Parrudo aos super-heróis do cinema. Essa comparação não é à toa.

Como a gente sabe, Carlos Lombardi é fã de histórias em quadrinhos e, se a influência da arte sequencial já era visível em Uga Uga, em Kubanacan ele elevou essa influência ao extremo.

A começar pelo protagonista. “Esteban Maroto” é o nome de um famoso quadrinista conhecido pelo seus trabalhos do gênero Espada & Bruxaria. Os heróis de Esteban Maroto eram quase sempre bárbaros de cabelo comprido e peito desnudo… qualquer semelhança com a aparência de Marcos Pasquim em Kubanacan não é mera coincidência.

E essa estava longe de ser a única. Este ano, a editora Panini lançou A Saga Do Wolverine, republicando a fase do autor Larry Hama à frente do título do mutante. Lendo essas histórias, eu percebi o quanto o Esteban de Carlos Lombardi se assemelha ao Wolverine de Larry Hama.

Hoje muitos não sabem, mas durante mais de duas décadas, o passado de Wolverine era um mistério para os leitores e, com o tempo, descobrimos o próprio Wolverine não conseguia lembrar de muita coisa do seu passado e Larry Hama foi talvez o autor que mais explorou esse aspecto do personagem. Diversas pessoas que conheciam o Logan apareciam nas histórias a cada edição, quase sempre trazendo novas informações sobre o passado dele. E mais tarde, Logan descobre que teve memórias implantadas em sua mente pelo programa Arma X e não podia confiar em nenhuma de suas lembranças. E, claro, tem o fato do Wolverine ser muito peludo e aparecer pelado com frequência nessa fase.

Provavelmente Lombardi nem sequer lembrou do Wolverine nele criou o Esteban (a inspiração “oficial” para o Pescador Parrudor foi o protagonista de A Identidade Bourne, de 2002, com quem de fato o Esteban tem ainda mais semelhanças), mas o meu ponto é que eles compartilham um mesmo arquétipo. Isto é, Esteban se aproxima mais desses heróis de histórias em quadrinhos do que o típico protagonista de novela.

E mais importante do que isso, a narrativa de Kubanacan também se afasta do modelo tradicional de novela.

Quem acompanha quadrinhos de super-heróis (e até mesmo de outros gêneros, como o já citado Espada & Feitiçaria ou os mangás de battle shounen) já sabe como a maioria deles funcionam: são histórias serializadas divididas em arcos menores em que, a cada arco, surge uma nova “missão”, um novo vilão para derrotar, um novo mistério a desvendar ou algo assim. As consequências de cada arco são carregadas para o seguinte, mas eles são relativamente fechados em si com princípio, meio e fim.

Mais ou menos a cada quinzena, surgia uma nova situação para se resolver, geralmente uma figura relacionada ao passado do Esteban que tinha uma pista do que aconteceu com ele. A situação era resolvida, o Esteban (e o público) recebia uma nova informação sobre ele e a novela partia para a aventura seguinte.

Esse estilo de narrativa não era novidade na TV. Desde o final dos anos 90, séries americanas já estavam abandonando o formato “caso da semana” em favor desse, que hoje se tornou dominante: um novo conflito surge a cada temporada e as consequências de tudo o que foi e não foi resolvido são levadas para a temporada seguinte. Ainda assim, é um formato que era e ainda é incomum nas novelas.

Muito se fala da atual preocupação da Globo em se aproximar as novelas das séries americanas. Pega-se a estética norte-americana em detrimento da brasileira, que a própria Globo levou décadas para solidificar e estabelecer uma noção de familiaridade com o público. Isso sem se dar conta de que a emissora já teve um híbrido de sucesso lá atrás com Kubanacan, que conseguiu trazer a estrutura narrativa de super-heróis e seriados de TV e o fez sem perder de vista os elementos típicos do folhetim: triângulos amorosos, paternidades escondidas, amores proibidos, planos de vingança, etc.

E o mais irônico é a emissora procurar um novo jeito de fazer novela ao mesmo tempo em que evita grandes riscos. Lombardi estava testando um estilo diferente de fazer novela porque sabia que a TV estava mudando e um dia o público teria mais acesso a esse tipo de narrativa, mas esse tipo de ousadia jamais seria aprovado pela Globo hoje.

O resultado é um produto final que não está lá nem cá, não conquista o público de séries estrangeiras e afastam cada vez mais o fã de novela. Esta geração não terá uma Que Rei Sou Eu?, uma Bebê a Bordo ou uma Kubanacan porque ordem agora é evitar ousadias e, no máximo, tentar replicar uma estética estrangeira.

Mas afinal, como o Carlos Lombardi conseguiu o feito de transformar essa novela em sucesso?

Lombardi costuma focar em poucos personagens nas suas novelas, mas nessa ele elevou ao extremo. Kubanacan é centrada inteiramente em cinco personagens: Esteban, Lola, Enrico, Rubi e Marisol. O elenco é gigantesco, mas todos os outros personagens giram em torno desses cinco. Isso também é algo mais típico do formato de seriados do que de novela.

E durante a primeira metade, a trama é focada nas situações mais folhetinescas envolvendo esse pentágono, em especial nos conflitos amorosos de Esteban e de Lola, que não podem ficar juntos.

A motivação de Esteban para se vingar de Camacho tem uma origem amorosa e o conflito de Lola de escolher entre o marido e o amor de sua vida é bem tradicional do folhetim. Tudo bem palatável, fácil de entender, com a marca cômica já bem-sucedida do Lombardi. A abordagem política se faz presente, porém mais como um pano de fundo.

É na segunda metade, a partir da chegada do pai e — principalmente — do irmão gêmeo de Esteban que a trama política ganha força e se torna a história central. O jogo se inverte e a trama romântica se torna secundária à política.

Foi uma boa sacada do Carlos Lombardi e provavelmente crucial para o sucesso da novela. Na primeira parte, Kubanacan funciona de maneira parecida às suas obras anteriores e na segunda, estava a sua Que Rei Sou Eu? que ele tanto queria contar.

E sei que Wolf Maya voltou a ser assunto por conta de seu comportamento nada ortodoxo nos bastidores de Cara & Coroa, mas uma coisa não se pode negar: ele era o melhor diretor em se tratando de casting. Assim como em Uga Uga, não havia sequer uma escalação fora do lugar. Atores novatos e veteranos entregando o seu melhor e, com o texto impecável, o resultado foi uma novela em que não havia um só personagem que eu odiasse.

E chegou a hora de falar deles: os personagens de Kubanacan.

Esteban

Acho que nunca antes houve uma novela tão calcada no seu personagem principal, de maneira que ela teria sido uma novela completamente diferente se seu protagonista tivesse dado errado. Felizmente não é o que aconteceu, o público abraçou o Pescador Parrudo e até hoje ele é o elemento mais lembrado da novela.

Esteban é um ideal masculino, mas também é um ideal feminino. Ele tem todas as mulheres ao seus pés, é bom no futebol, vence qualquer briga, mas também é romântico, gosta das tarefas domésticas e é um ótimo pai.

O personagem tem tantas qualidades que poderia facilmente ser chato, mas Marcos Pasquim entrega uma atuação tão carismática.

Além do protagonista, o Pasquim ainda teve mais três personagens: Dark Esteban, sua segunda personalidade que supostamente representava o Esteban de antes da sua perda de memória; Adriano, seu irmão gêmeo; e um quarto personagem que abordarei mais à frente. Isso sem contar os vários disfarces de Esteban.

Cada um deles tinha voz e postura diferentes um do outro. Era um grande desafio para qualquer ator, ainda mais quando um personagem precisava se passar pelo outro. Eu lamento que as pessoas só lembrem do peito desnudo do Marcos Pasquim na novela porque, para mim, foi aqui que ele provou todo seu talento.

O mais interessante de todos é o Dark Esteban. Eu acho curioso que o Transtorno Dissociativo de Personalidade não foi mais explorado em novelas porque é algo com muito potencial melodramático.

O Dark participa de alguns entrechos folhetinescos ao tentar arruinar a vida do Esteban para assumir totalmente o corpo dele e colocando todo mundo contra ele, etc. Mas o mais interessante é o uso dele como representação visual para o conflito psicológico do protagonista.

A primeira aparição oficial do Dark é com ele e o Esteban se confrontando em um ringue de boxe. A última — quando os dois lados se reconciliam — é com eles apostando corrida para escapar do deserto. Essa metáfora visual é o tipo de recurso que eu já tinha visto em várias animações, mas nunca em novelas.

Lola

Após me me decepcionar com a chatice de Maria João em Uga Uga, eu já estava com medo de como seria minha opinião sobre a Lola após revisitar Kubanacan. As duas têm um perfil relativamente parecido, sendo as heroínas românticas de suas respectivas novelas que ficam num vai-e-vem sem fim com o protagonista.

Mas felizmente, rever Adriana Esteves como Lola Calderón foi uma maravilha. Primeiro porque a personagem é muito bem defendida pela atriz. A Lola de Adriana Esteves divide muitas similaridades com sua Celinha de Toma Lá Dá Cá, com os chiliques e tudo, mas apesar de ter vindo antes a Lola não deixa nada a desejar à Celinha (suspeito até que o Falabella pediu pra ela fazer igualzinho à personagem de Kubanacan, sério).

Segundo, que seus conflitos internos têm base. Ela é uma mãe de família, religiosa — era até noviça quando Enrico a conheceu — e que não conhece outra vida além de cuidar do marido e dos filhos. Detalhe: assim como Maria João, ela também é fã de livros de romance, onde encontra o escapismo da sua rotina doméstica.

Quando se vê apaixonada por esse homem misterioso, que leva uma vida tão diferente da que ela tem em casa com o marido, é óbvio que Lola vai entrar em negação e tentar resistir ao que sente. O público a rejeitaria se não fosse assim.

E o desenvolvimento desse casal foi um dos maiores acertos da carreira do Lombardi. Todos lembram da química entre Adriana Esteves e Marcos Pasquim (que ainda repetiriam o par romântico em outras novelas), mas isso só foi possível porque o casal não era só uma atração sexual explosiva ou um amor de outra vida.

Lola e Esteban se apaixonaram admirando a personalidade um do outro, observando a devoção que cada um tinha pelos filhos, tendo conversas em que trocavam suas ideias de vida, etc. Lola e Esteban são uma verdadeira aula de como construir um casal capaz de arrebatar o coração do público.

Mas a Lola não era só o seu par romântico. E essa é outra diferença crucial em relação à Maria João. A personagem de Viviane Passmanter não fazia NADA em Uga Uga além de ficar com a cara amarrada e lamentar a morte do Sargento, as mentiras do Sargento, os segredos do Sargento e qualquer que fosse a porcaria que o Sargento estivesse fazendo essa semana.

Lola tinha momentos cômicos com a família (as cenas com Nair Bello e Carolina Ferraz eram puro deleite), além de um plot só dela: esconder do Enrico o seu trabalho como cantora no Copacabana Nightclub. O Esteban até se envolve nessa trama, obviamente, mas o conflito ainda é da Lola e seus momentos de cartase inclusive acontecem sem a presença do Esteban.

Marisol

Se reassistir Kubanacan só serviu para eu gostar ainda mais da Lola, o mesmo eu não posso dizer sobre a Marisol.

Não por culpa da Danielle Winits. Pelo contrário, a atriz deu à personagem uma composição muito diferente da que tínhamos visto em todas suas personagens até então. Uma mulher bela, mas sonhadora e ingênua. E põe ingenuidade nisso.

Marisol é enganada várias e várias na novela, principalmente pelas mesmas duas pessoas: os irmãos Carlos e Celso Camacho. Em relação ao Celso a personagem fica especialmente irritante, porque ele sempre propõe um plano para ela reconquistar Esteban que qualquer pessoa com mais dois neurônios perceberia que iria destruir a vida do pescador.

Sério, até a Tatiana de Uga Uga perceberia que fingir a sua morte uma SEGUNDA VEZ não iria fazer o Esteban se apaixonar por ela novamente. Mas Marisol vai lá e faz.

Em determinado momento eu me perguntei se não seria melhor a Marisol se tornar vilã de uma vez, ainda mais com a ausência do Humberto Martins, mas eu entendo por que o Lombardi não fez isso. Vilanizar Marisol enfraqueceria demais as motivações do Esteban no conflito dele com o Camacho e isso seria importante para a reta final.

Mas em compensação, isso faz a Marisol entra numa montanha-russa em que ora ela está tentando atrapalhar o relacionamento do Esteban com Lola com a cara mais sonsa do mundo, ora ela é melhor amiga e confidente dele.

Winits defendeu bem a personagem e eu ainda sentia simpatia pela ex-falecida (merecia um final melhor do que aquela coisa horrível, inclusive), mas a verdade é que Marisol foi o elo mais fraco dos personagens centrais.

Enrico & Rubi

E chegou a vez dos meus queridinhos!

Enrico é disparado meu personagem favorito da novela. O timing para comédia do Vladimir Brichta é uma COISA ABSURDA e estava impecável aqui como sempre, mas ele também soube entregar o drama nas ocasiões que o roteiro pedia.

Sendo o obstáculo do casal principal, ainda mais um casal tão popular quanto Esteban e Lola, seria fácil para Enrico sofrer rejeição do público, mas ele passou imune por isso. O complexo de inferioridade que Esteban lhe causava criava empatia do público com ele, além das várias cenas cômicas encabeçadas pelo jeito nervosinho do Enrico.

A química dele com sua futura mulher Adriana Esteves eram uma delícia, especialmente nas fases em que Esteban e Rubi estavam em outra cidade e cabia a Lola e Enrico servirem de núcleo cômico em La Bendita. Fiquei com vontade de ver o casal em novos projetos juntos, porque é certeza que a intimidade fora de cena nesses anos só melhorou a sintonia.

Enquanto isso, Carolina Ferraz em um tipo bem diferente do que estava acostumada. Conhecida por suas personagens ricas e elegantes das novelas de Manoel Carlos, aqui ela fazia uma mulher pobre e masculina. Mas Carolina parecia tão confortável nesse papel, tão à vontade, que a impressão era que ele fazia a Rubi há anos.

Rubi começa a novela dividindo a casa com a família, onde vivia discutindo com a mãe e com Enrico. Apaixonada pelo cunhado, ela sente que está sobrando na própria vida, até se envolver com o Esteban e ganhar mais confiança em si mesma.

Se a personagem se sentia deslocada na própria casa, felizmente ela nunca esteve deslocada na novela. Rubi cumpria várias funções na trama: era frequentemente a ela a quem Esteban tinha explicar os últimos acontecimentos, sendo o ponto de vista do público quando a trama começava a ficar confusa; ora ela servia de orelha para a Lola, ora para o Esteban, sendo essencial pra entender a perspectiva dos protagonistas; ser voz da razão do Enrico nas muitas vezes que ele faz um besteira; ao final, é ela a responsável por envolver Esteban na revolução que move a reta final da novela.

E claro, juntos Enrico e Rubi apenas multiplicam todo o carisma que esses personagens carregam ao longo da novela. A gente pode até acompanhar Kubanacan pela história de Esteban e Lola, mas ela perderia muito do seu charme sem esses dois.

Carlos Camacho

Além do Pescador Parrudo, outra coisa que faz as pessoas lembrarem de Kubanacan é a curiosidade de ter sido “a novela que Humberto Martins abandonou no meio”, então acho por bem abordar essa polêmica aqui.

Carlos Camacho começa como o grande vilão da novela, não só por ser o ditador de Kubanacan, mas também por seduzir Marisol com a promessa de realizar os sonhos dela na cidade grande. Nos primeiros capítulos, o tempo de tela é quase o mesmo do de Esteban, o que deve ter feito muita gente acreditar que ele também era protagonista e gerado o rumor de que ele saiu porque não gostou do destaque dado a Marcos Pasquim.

Pois bem, depois de muito silêncio por décadas, acho que nos aproximamos da verdade recentemente. Em entrevista ao podcast Papagaio Falante, Humberto Martins negou que houve algum desentendimento com Pasquim e disse que sua saída foi em partes porque Lombardi não havia cumprido o que combinou com ele e em em parte por conta do ritmo de gravações da novela (que TODOS os envolvidos já declararam que era muito cansativo).

Em entrevista ao UOL, Lombardi disse que algumas pessoas nos bastidores não acreditavam em Marcos Pasquim como protagonista e, por isso, havia um plano B de fazer Camacho se apaixonar por Lola e assim se redimir, tornando-se o protagonista da novela. Como Esteban foi popular de imediato, esse plano nunca entrou em ação.

A minha teoria é de que essa versão da novela chegou aos ouvidos de Humberto Martins que, quando viu que seu personagem do que esperava, sentiu-se enganado e pediu para sair.

De fato, perto de sua saída, Camacho já havia se tornado alívio cômico. Mas isso se deve mais ao que eu disse anteriormente de manter a trama política apenas como pano de fundo na primeira metade da novela. Tanto que Lombardi precisou criar o Celso Camacho, provando que essa figura do político frustrado que quer acabar com a popularidade de Esteban era essencial para os rumos da trama.

Quando o Humberto Martins volta, a trama política da novela ganhou mais força e o General Camacho de fato se torna o vilão principal ao lado de Alejandro. A história que Lombardi queria contar precisava deixar o General acuado, sem poder, para depois se tornar uma ameaça ao protagonista.

E acho que no final isso ficou claro mesmo para Humberto Martins, ele fez as pazes com Lombardi e até participou da reta final de Pé Na Jaca. O mesmo não dá pra dizer do Marco Ricca, mas enfim.

O final de Kubanacan

E por fim, chegou a hora de falarmos do polêmico final da novela.

Na última semana de novela, Esteban já tinha desvendado tudo do seu passado. Basicamente, ele era um agente do Serviço de Inteligência Secreta de Kubanacan, treinado pelo seu próprio pai Alejandro, os dois entraram em conflito por conta da Fênix, uma arma nuclear capaz de transformar um humanos em cinzas sem destruir casas e edifícios. Ele fugiu com a fórmula da Fênix e todos os interessados na arma foram atrás dele.

Mas de repente, Esteban começa a ter flashes de memória que não fazem sentido, como por exemplo, o de um cientista perto de um computador. Após o nascimento de León, o filho dele com a Rubi, Esteban começa a ter surtos de febre, além de uma vontade de voltar ao ponto em que caiu do avião.

É então que ele se lembra de tudo: Esteban é na verdade o León adulto, que veio do futuro!!!!!

Ok, agora é que as coisas ficam complicadas. Me acompanhem:

- Em 1969, Kubanacan entrou em guerra contra os Estados Unidos.

- A guerra se encerrou quando os EUA lançaram uma bomba atômica que devastou Kubanacan. Apenas quem estava fora do país, como Rubi e Enrico, conseguiu escapar.

- Em 1990, León já tem 30 anos, é historiador e assistente do Dr. Cristóbal, cientista que cria uma máquina do tempo e usa o nosso León como cobaia.

- O “nosso Esteban” queria provar que o “Esteban verdadeiro” foi um herói e não um traidor da nação. Ele também acreditava que Esteban era seu pai e queria investigar isso.

- Chegando ao passado, León perde a memória. Devido à sua obsessão pela figura do Esteban, ele desenvolve ainda uma segunda personalidade: o Dark Esteban.

- A tatuagem do Esteban verdadeiro continha a fórmula da Fênix. León criou uma tatuagem idêntica, mas contendo uma fórmula falsa (que acaba funcionando… por sabe-se lá que motivo).

- O Esteban verdadeiro ainda está vivo e foi ele quem engravidou a Rubi. Então não, León não é filho de si mesmo… mas ele ainda transou com a própria mãe.

O final de Kubanacan é confuso? Sim e não…

Quem passou anos lendo histórias em quadrinhos, como eu, dificilmente vai se confundir com esse plot de viagem no tempo. A origem do Flash Reverso, por exemplo, é bem parecida: ele volta no tempo sem memória e passa a acreditar que é outra pessoa (o Barry Allen). E vale lembrar que, hoje, o segundo filme de maior bilheteria de todos os tempos é Vingadores: Ultimato, com uma trama de viagem no tempo ainda mais confusa.

Mesmo eu, que era apenas uma criança em 2003, consegui entender o final da novela naquela época (ou a maior parte dele).

O problema foi ter tido muita informação de uma só vez. Quase tudo o que eu resumi ali em cima só foi revelado no último capítulo. Foram 226 capítulos estabelecendo que Esteban era uma pessoa e apenas um explicando que ele era outra.

As pessoas até entenderam, elas só não se conformaram.

O “Dark Esteban”, por exemplo. Durante toda a novela, o público é convencido de que ele é a personalidade do Esteban antes de perder a memória. Em meio a todas as descobertas, essa é uma constante. Quando o espectador descobre ao final que esse “Esteban do passado” e o Dark Esteban não são a mesma pessoa, ele se sente enganado.

Dá para entender por que tantas pessoas torceram o nariz para esse final. Eu não. Eu amo.

Não que ele não tenha os seus problemas (não me convence essa do Esteban verdadeiro ter aparecido pra Rubi só para engravidá-la), mas de todos os finais de novela que eu vi na infância esse foi o que mais me marcou!

É completamente diferente de tudo o que eu já tinha visto no gênero. E abre espaço para mil e uma teorias: como ficou o futuro do León depois que ele volta? A Rubi que conhecemos virou presidente de Kubanacan, então o filho dela teve uma vida muito diferente da vida do León que viajou no tempo. Será que ele veio de futuro alternativo e o que ele fez no passado não mudou nada no universo dele?

Se fosse um série estrangeira de ficção científica, pode ter certeza que Kubanacan teria um fórum inteiro cheio de teorias dos fãs de dar inveja a Doctor Who.

O veredito

Eu sempre considerei Kubanacan como minha novela favorita e reassisti-la no Globoplay só fez fortalecê-la nesse posto.

É uma novela que parece feita para mim, reúne tudo o que eu amo em outras mídias numa obra só. O universo lombardiano que tanto me divertiu em Uga Uga e Quatro Por Quatro aparece aqui em uma história mais bem amarrada e ainda assim mais ousada.

O texto e a imaginação de Lombardi nunca esteve tão livre quanto aqui e, como se isso não bastasse, ele contou um elenco que parecia ter nascido para interpretar esses personagens.

Uma pena que não temos mais novelas tentam empurrar os limites do gênero sem descaracterizá-lo. Mas por mim tudo bem, é mais uma motivação para eu voltar ao passado e revisitar essa história quantas vezes puder.

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